A Construção de Paraísos: Como a Mídia Molda Destinos Turísticos

Viagem

Você já se pegou desejando conhecer um lugar só porque viu uma foto perfeita no Instagram ou uma cena de filme que parecia saída de um sonho? De repente, aquela prainha isolada que ninguém conhecia vira capa de revista, surge no feed de todos os influenciadores e… pronto: temos um novo “paraíso imperdível”.

Como a Mídia Molda Destinos Turísticos? O que há por trás dessa construção? Quem decide o que é belo, desejável ou digno de ser visitado? E, mais importante: será que a sua vontade de conhecer certos lugares é realmente sua?

Neste artigo, vamos juntas desvendar como a mídia — de forma sutil ou descarada — molda nossos desejos de viagem. Você vai descobrir por que certos destinos explodem de fama, o que se esconde por trás das imagens perfeitas e como fazer escolhas mais conscientes na hora de montar sua próxima aventura.

Prepare-se para tirar os óculos cor-de-rosa do turismo e enxergar com mais clareza o mundo que você quer explorar.

Quando um Lugar Vira Tendência: O Poder Invisível da Mídia

Alguns destinos parecem surgir do nada. Ontem, ninguém falava sobre eles. Hoje, estão em todo lugar: nos vídeos do YouTube, nos roteiros de revistas, nos carrosséis do Instagram. De repente, todo mundo quer ir — e vai.

Mas o que faz um lugar virar tendência?

Na maioria das vezes, não é uma descoberta espontânea. É uma construção. Um roteiro de novela que mostra um vilarejo litorâneo como cenário de romance. Um reality show que transforma uma cidadezinha em plano de fundo de aventuras. Um filme que eterniza uma paisagem. Ou, cada vez mais comum, um post de uma influenciadora com milhões de seguidores dizendo: “Esse lugar mudou minha vida”.

A mídia não apenas mostra lugares — ela cria narrativas. E essas narrativas carregam promessas: paz, autenticidade, exclusividade, felicidade. Quando você compartilha um Reels de uma praia na Ásia com água azul cristalina, você não está apenas divulgando uma paisagem. Está alimentando um imaginário coletivo. Um desejo de fuga, de algo melhor, mais bonito, mais leve.

Chamamos isso de “efeito vitrificado”. É quando o destino se transforma em vitrine: um produto embalado com filtro, legenda e trilha sonora, pronto para consumo. O problema? Vitrines são feitas para esconder o que está por trás.

Em 2016, um exemplo emblemático foi o vilarejo de Hallstatt, na Áustria. Após aparecer em um drama sul-coreano e em diversos perfis de viagem, a pequena vila de pouco mais de 700 habitantes passou a receber mais de um milhão de turistas por ano. Resultado: filas, barulho, lixo, desconforto para os moradores e um apelo desesperado das autoridades locais pedindo contenção.

Esse é o poder invisível da mídia: ela transforma destinos em desejo. E esse desejo, quando replicado em massa, muda tudo — nem sempre para melhor.

A Realidade Por Trás da Foto Perfeita teria tudo a ver em Como a Mídia Molda Destinos Turísticos?

É fácil se encantar com aquela imagem de drone sobre um mar transparente, uma cabana isolada no alto de um penhasco ou um café charmoso com vista para uma rua de paralelepípedos. Mas por trás da foto perfeita, muitas vezes, existe uma realidade bem diferente — e raramente mostrada.

O que não aparece no feed: as filas para tirar aquela mesma foto, o lixo que se acumula fora da moldura, o impacto ambiental do aumento repentino de visitantes, os moradores que veem suas rotinas desestruturadas. A mídia, especialmente nas redes sociais, tende a mostrar o lado idealizado. E isso tem um preço.

Um exemplo clássico é o das praias tailandesas, como Maya Bay, eternizada no filme “A Praia”, com Leonardo DiCaprio. O local ficou tão famoso que, em poucos anos, foi devastado pelo turismo desenfreado. Em 2018, o governo tailandês decidiu fechar a praia por tempo indeterminado para tentar recuperar o ecossistema. A areia branca e o mar azul ainda estão lá — mas estavam doentes.

O mesmo acontece com destinos “instagramáveis” no Brasil, como os Lençóis Maranhenses ou a Chapada dos Veadeiros. A busca pela foto perfeita, muitas vezes, supera o respeito pela natureza e pela cultura local. O visitante se torna consumidor de cenário, não um explorador consciente.

Isso nos leva a uma pergunta essencial: você quer realmente conhecer o lugar ou apenas replicar a imagem que viu?

Viajar deveria ser sobre conexão — com a paisagem, com as pessoas, com as histórias. Mas quando deixamos a mídia ditar o roteiro, muitas vezes acabamos apenas seguindo trilhas já trilhadas, buscando a mesma foto, o mesmo ângulo, o mesmo ideal.

Como a Mídia Molda Destinos Turísticos
Viajar se conectando com a historia do lugar

O Impacto na Comunidade: Quando o Turismo Vira Invasão

O que acontece quando um lugar, antes tranquilo e pouco conhecido, passa a receber milhares — ou até milhões — de turistas todo ano? Para muitos moradores, a resposta é clara: o que parecia ser uma oportunidade vira um pesadelo.

Os preços sobem. A casa que servia como lar vira hospedagem de temporada. O café da esquina troca o pão na chapa por brunch de avocado a R$ 45. A escola perde alunos porque as famílias se mudam. As ruas, antes silenciosas, são tomadas por filas de turistas tirando selfies. A identidade do bairro se dissolve.

Esse fenômeno tem nome: gentrificação turística. E, muitas vezes, começa com um único post viral, um vídeo no TikTok ou uma matéria de capa. A mídia — mesmo sem intenção direta — dá visibilidade a um lugar. A visibilidade gera interesse. O interesse vira capital. E o capital, quase sempre, exclui.

Um exemplo forte é o que ocorreu em Trancoso, na Bahia. De vila de pescadores a refúgio de celebridades e turistas internacionais, a transformação veio acompanhada de valorização extrema dos imóveis, descaracterização arquitetônica e mudança drástica no perfil da população. Muitos nativos não conseguiram acompanhar esse ritmo e precisaram deixar o lugar onde nasceram.

Essas mudanças são, em sua maioria, silenciosas. Elas não aparecem nas fotos das agências de turismo. Mas estão nos olhares dos moradores, nas placas de “vende-se”, nos comércios tradicionais que fecham, nas tradições que viram espetáculo.

É nesse contexto que o turismo consciente ganha força. Ele questiona:
– De que forma minha presença transforma esse lugar?
– O que estou consumindo: um território vivo ou um palco pronto?

Viajar com consciência é entender que o nosso desejo de conhecer o mundo não pode custar o mundo de alguém. É perceber que cada destino tem sua própria voz — e que ela precisa ser respeitada, não silenciada por um roteiro fotogênico.

Como a Mídia Também Pode Construir um Turismo Transformador

Nem toda narrativa midiática sobre turismo precisa seguir o velho script da exploração disfarçada de encantamento. Há um novo movimento — mais silencioso, porém consistente — que está usando a visibilidade para empoderar, preservar e transformar.

Veículos independentes, documentários engajados e microinfluenciadores conscientes estão criando uma nova forma de falar sobre viagens: com respeito, escuta e profundidade. Em vez de explorar o exótico, eles mergulham no contexto. Em vez de mostrar “o que fazer em 3 dias”, propõem “como ser um visitante que respeita”.

Destinos sustentáveis, projetos de turismo indígena, roteiros fora do eixo tradicional vêm ganhando espaço graças a esse novo olhar. Não se trata mais de visitar por visitar — mas de criar conexões reais, apoiar economias locais e valorizar culturas que sempre estiveram à margem das vitrines turísticas.

Um exemplo inspirador vem do Jalapão (TO), onde comunidades quilombolas e indígenas organizam roteiros que equilibram natureza e tradição. O turista é convidado a conhecer, sim — mas também a escutar, aprender e contribuir para manter aquele modo de vida vivo. A mídia alternativa teve papel central na divulgação respeitosa dessas experiências, o que permitiu um crescimento que não apagou a identidade local.

Outro caso emblemático é o de São Miguel das Missões (RS), onde o turismo de base comunitária revitalizou não só a economia local, mas também a autoestima dos moradores, especialmente jovens guaranis. Com apoio de redes independentes e jornalistas especializados em turismo cultural, o local passou a ser reconhecido não só por suas ruínas históricas, mas pela força viva de seu povo.

E os microinfluenciadores? Estão abrindo caminhos menos óbvios e mais humanos. Diferente das grandes celebridades, eles constroem relações de confiança com sua audiência, e isso lhes dá poder para influenciar decisões de viagem mais éticas. Ao mostrar destinos com verdade — inclusive os bastidores e os impactos — eles colaboram para que o turismo volte a ser aquilo que um dia foi: um encontro entre mundos, não um atropelo de um sobre o outro.

A mídia, quando consciente, vira ponte. Não entre o turista e o “paraíso fabricado”, mas entre pessoas, culturas e histórias que merecem ser vistas com o cuidado de quem visita a casa de alguém — e não de quem apenas consome um cenário bonito.

Escolhas Mais Conscientes: Como Viajar Sem Reproduzir o Ciclo

Viajar é um privilégio — e como todo privilégio, traz responsabilidade. Quando entendemos o peso das narrativas que consumimos e das pegadas que deixamos, o turismo deixa de ser apenas entretenimento para se tornar um ato de consciência.

Como a Mídia Molda Destinos Turísticos
Viagem com consciência

Mas como romper com o ciclo de destinos fabricados, turismo invasivo e consumo irrefletido?

A boa notícia é que não exige perfeição, mas intenção. Pequenas mudanças de olhar e atitude já fazem diferença. A seguir, algumas escolhas possíveis para quem deseja viajar de forma mais conectada e respeitosa:

1. Questione o que te atrai em um destino

Antes de comprar a passagem, pergunte-se: estou indo porque quero conhecer esse lugar de verdade ou porque ele virou “o destino da vez”? A mídia nos empurra tendências — mas você pode escolher sair da fila do óbvio e buscar experiências mais autênticas.

2. Fuja do turismo de massa (sempre que possível)

Evite épocas de alta temporada e locais saturados. Além de ter uma experiência mais tranquila, você ajuda a reduzir o impacto ambiental e social. Prefira cidades menores, vilarejos ou regiões pouco exploradas (com respeito e pesquisa prévia).

3. Apoie negócios locais

Troque redes internacionais por hospedagens familiares, restaurantes locais, feiras de artesanato, guias comunitários. Isso faz o dinheiro circular de forma justa e fortalece a cultura viva do lugar.

4. Escute antes de fotografar

Antes de postar, perguntar. Antes de clicar, conversar. A escuta é um dos atos mais transformadores do viajante consciente. Ouvir a história de quem vive ali, entender os desafios e as alegrias daquele lugar, cria vínculos que nenhuma foto consegue transmitir.

5. Busque fontes de informação confiáveis e diversas

Consuma conteúdo de jornalistas locais, influenciadores regionais e veículos independentes. Eles trazem contextos e nuances que a mídia tradicional muitas vezes ignora. Isso te prepara para chegar com mais respeito — e menos expectativa fantasiosa.

6. Deixe o lugar melhor do que encontrou

Pode ser recolher lixo em uma trilha, elogiar um trabalho artesanal, plantar uma árvore em um projeto comunitário. O turismo não precisa apenas extrair — ele pode retribuir.

Viajar de forma consciente não é deixar de curtir. Pelo contrário: é viver a viagem com mais sentido, conexão e memória real. É voltar pra casa não só com fotos bonitas, mas com histórias profundas e a sensação de que o mundo é mais rico quando respeitamos a pluralidade que ele oferece.

De Olhos Abertos, Coração Presente

A mídia tem poder. Ela pode tanto construir paraísos que encantam quanto criar distorções que prejudicam. Mas quando a gente desperta para isso, percebe que não é preciso parar de viajar — e sim, viajar com os olhos mais abertos e o coração mais presente.

Destinos não são vitrines. São territórios vivos, com histórias, dores, resistências e sonhos. E nós, enquanto visitantes, temos o poder de escolher qual tipo de impacto deixaremos ao passar por eles.

Que suas próximas viagens não sejam apenas um carimbo no passaporte — mas encontros verdadeiros com o mundo real. Que a curiosidade vença o roteiro pronto. Que o respeito guie seus passos. E que a mídia — inclusive a que você consome e compartilha — seja ponte, e não filtro.

No fim, viajar bem não é conhecer todos os lugares, mas aprender a se mover pelo mundo com consciência, leveza e presença. E isso, a mídia sozinha não ensina. Mas você pode começar agora.

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6 thoughts on “A Construção de Paraísos: Como a Mídia Molda Destinos Turísticos

  1. Adorei o artigo! É incrível como a mídia tem o poder de moldar nossos destinos turísticos e influenciar nossas escolhas. Uma leitura super interessante!

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